Postagem do Facebook em 28/08/2018


BELLA SENZ’ANIMA
O Diário de uma Prostituta

Continuação Capítulo 1 – parte II

Contando desde o começo, minha vida até aqui não foi muito fácil. Meus pais se separaram logo que eu nasci. Minha avó era quenga. Meu pai mal sabia quem era o pai dele. Ele conta que cada dia a mãe dele estava com um homem dentro de casa. Ele não soube ser pai. Minha mãe era a única filha mulher no meio de quatro homens. O pai era severo, a mãe também. Cresceu numa represaria só, apanhando do meu avô para que suas “asas fossem cortadas”. E tentou criar suas filhas no sistema de “liberdade de escolha”, com “asas livres”. Não tão livre, porque a liberdade aprisiona. Eu aprendi que se paga um preço muito alto quando não se sabe escolher. Eu não tinha maturidade para escolher ainda.

Eu tinha uma irmã mais velha e duas mais novas. Eu me dava melhor com a mais nova, era minha bebe.
Meu pai abandonou a gente depois da separação. E minha mãe também.

A separação foi uma grande confusão. Meu pai traia minha mãe. Minha mãe não amava meu pai.
Nunca faltou comida e roupa, meu pai tinha muito dinheiro, mas sempre o negou para nossas vontades. Ele era quem tentava colocar “ordem no poleiro”. Mas minha mãe nunca aceitou. Já minha mãe, ela sempre trabalhou muito “para satisfazer nossas vontades materiais”. Mas se perdeu na bebida e nos relacionamentos. Os homens sempre foram um problema nas nossas vidas.

Crescemos sendo tratadas como princesas. Tínhamos de tudo conquistado com o suor da minha mãe. De alguma forma, ainda assim, eu era mais bem tratada de todas. Tinha vitamina no café da manhã e tudo. Mas eu nasci diferente. Eu era e sou muito carente emocionalmente.
Me recordo de quando pequena, espera-la nas festinhas de escola, toda feliz para cantar a musiquinha e ela nunca aparecia. De ficar na porta da escola porque ela não chegava. Ela sempre estava trabalhando ou ocupada com afazeres da casa.

Eu sou sensível a tudo desde muito pequena, me preocupo com o todo. Eu sei, eu assumo, preciso de atenção. E nessa parte, minha mãe não teve paciência. Éramos quatro filhas, não tinha carinho e atenção para tanta gente. Não me lembro de minha mãe me abraçar, beijar ou dizer que me amava. Isso me fez muita falta.

Não me recordo dela contar de sua vida. Apenas entre um fato e outro, um ditado para seguir. Tipo “moral da história”, sabe? Eu tinha mais papos assim com meu pai. Minha mãe sempre quis parecer forte, sem demonstrar sentimentos. E tudo que não fosse isso, ela taxava de “frescura”, “burrice” ou outros psêudos que não convém citar. Meu pai dizia que desde pequena eu era uma “Planta Doente”, por causa da minha hipersensibilidade de dependência da minha mãe. E por muitos anos eu acreditei nisso.

Os filhos nascem da mesma barriga, mas não são iguais. Eu sou muito diferente das minhas irmãs. Eu me preocupo e me sinto responsável. Eu me sensibilizo, eu não me vendo ao dinheiro. O dinheiro sempre foi fonte de realização, moeda de troca. E eu cresci entendendo que sem ele não somos felizes, que ele era necessário para me manter feliz. E na ausência dele, fazemos qualquer coisa.

Mas eu não sou assim, eu aprendi a ser assim e nunca questionei isso. Eu era amorosa, carinhosa, preocupada, risonha. Digo era porque a vida me empedrou. E você saberá como, até o final desse diário.

Quando completei 16 anos minha mãe embarcou para a Europa com uma das minhas irmãs para tira-la das drogas. Ela havia conseguido um trabalho. Minha irmã, a mais velha já morava lá. Eu e a outra irmã ficamos… Ficamos exatos três meses sem notícia nenhuma delas. Sofri muito, só de lembrar me dói sentir aquela ausência.

Depois de três meses recebi uma carta dizendo que ela estava bem. Só fomos nos rever depois de quase um ano, quando embarquei para lá para uma suposta “férias”. Naquela época ainda o celular era a coisa mais cara que se podia comprar. Então não tínhamos como nos falar.

Minha mãe sempre foi fascinada pelo dinheiro. Não para acumular, mas para gastar. Sempre comprou a gente com bons presentes, boa roupa, boa comida. Esse era o jeito de mostrar como nos amava.
Mas em compensação, vivíamos jogadas, vivendo nossas escolhas. Nunca foi possível conversar com ela sobre nossas escolhas. Se ela tinha uma opinião sobre algo, a opinião dela prevalecia. Se pensávamos diferente, não havia discussões, ela apenas ignorava. E nesses termos, para ela eu tinha que escolher uma profissão que desse dinheiro e um marido rico. Sim, ela sempre quis que eu estudasse, isso é fato.
E eu consegui estudar, fiz uma faculdade, da qual ela se orgulha disso.

Mas nunca consegui abandonar a prostituição para viver da minha profissão. Por alguns fatores. O primeiro deles é que realmente nunca me sinto capaz. Me sinto muito fracassada e impotente. O segundo deles é que uma vez que você aprende a viver do dinheiro “fácil”, fica difícil dar duro depois e viver de pouco dinheiro. Não nos tornamos escravos dos clientes e muito menos do prazer: nos tornamos escravos do dinheiro e do que ele pode pagar. Conheci muita prostituta casada, com filhos, que sustenta a vida do marido, que sustenta a família toda e que ainda ostenta. Conheci muita gente que viveu bem com a ideia de fazer disso uma profissão e basta. Eu nunca consegui encarar assim, com naturalidade. Mas me aprisionei cada hora por motivos diferentes, em fases diferentes da minha vida.

Toda vida de uma prostituta começa por um abuso sexual. Não, eu não fui abusada. Não houve nada que eu não tenha feito por simples vontade. O meu problema foi falta de orientação, nada de abuso. Os abusos que sofri em minha vida foram decorrentes das minhas escolhas, nada por violência ou imposição. A GENTE DEMORA A APRENDER A ESCOLHER. E é nisso aí que entra o pai e a mãe, além da paciência. E eu não tive nenhum desses itens na minha fórmula mágica. Eu tive que aprender com a vida, murro em ponta de faca, sangrando todo dia. E estou aqui para contar isso pra você. Você será meu amigo, meu diário.

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Baseado em Fatos Reais

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